ana barbero
REINVENTANDO A DIGRESSAO
O desenho é talvez a forma expressiva que se destaca com mais força na obra do Mário Vitória. É através da linha que os corpos ganham vida e se animam com traços roubados à tela.
Às vezes uma linha transforma-se na força expressiva que parece rasgar o pequeno pedaço de papel, onde o negro desliza pela superfície acetinada dum mar branco.
Noutras ocasiões a linha de extraordinária brancura toma o mando e ergue-se de uma mancha de cor, traduzindo assim a metáfora do ser numa forma expressiva, sinuosa, que projecta e configura a matéria num corpo sem limite. A sua natureza caprichosa toma formas diversas e joga com as marcas que o seu rasto deixa nas nuvens de acrílico… reinventando o que Mário Vitória chama de digressão.
Mas…até que ponto se torna possível esta digressão num caminho antes traçado pelo destino da forma?
Na obra do Mário observamos o traço agressivo de uma linha que quer sair do quadro. Uma linha certa, que é capaz de romper as cadeias de um mundo imaginado, e que faz surgir de entre as sombras, personagens do nosso quotidiano. Desta forma, a sua obra evoca as acçoes pararelas que a imaginação é capaz de recriar.
Nos seus quadros a matéria inerte aposta-se destas imagens emprestadas com o sublime objectivo de transmutar o seu imago noutro ser, criando assim, no espectador, um certo incómodo. Mas, a alma inquieta e caprichosa das formas consegue sempre despertar em nós infinitas interrogações acerca desses estranhos seres que habitaram porventura numa outra constelação muito próxima da nossa. É talvez por isso que a sua obra parece convidar-nos à busca na memória de imagens de um pôr-do-sol aceso ou de um pescador sem peixe.
Assim, sobre este caminho de infinitas leituras, a arte supera-se a si própria, experimentando e recriando o seu ser e, como nas denominadas margens, grelhas ou entropias, continuamente reproduz e cria novas formas, como uma experiência criativa que escapa à sua própria história… qualquer pequeno incidente deixa a descoberto uma nova possibilidade. Trata-se então de configurar outras entidades no tempo, uma evasão sem dúvida desejada, alvo de leituras reinventadas.
Verdadeiramente só a arte por si própria pode reinventar a digressão
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Ana María Barbero Franco, 2011
Prof. Auxiliar Instituto Piaget